11 May 2010

A especulação tem limites

TENDÊNCIAS/DEBATES - Folha de S.Paulo (08.05.2010)
A crise na Grécia afetará a economia brasileira?
SIM
A especulação tem limites
GILSON SCHWARTZ
O BRASIL sempre foi o "país do futuro". Com o tempo, esforços foram empreendidos para acelerar esse tempo pela ação do Estado e do desenvolvimentismo, uma espécie de ciência da aceleração do tempo econômico.
A eterna promessa brasileira, no entanto, parecia ter desencantado na crise financeira de 2008-2009.
Com o desmonte ocorrido nas principais economias desenvolvidas do mundo, parece que um relógio maluco inverteu seus ponteiros e as economias da periferia, como Brasil, China e Índia, tornaram-se as que já chegaram ao futuro, enquanto as sociedades maduras e pós-industrializadas retraem-se e retrocedem a níveis bárbaros de desemprego, endividamento e asfixia do gasto estatal.
É hora do Brasil? Ou tudo não passa de mais uma ilusão de ótica criada pela forte e rápida deterioração dos países mais ricos?
O ilusionismo é decorrência da especulação financeira. Nesse jogo de espelhos, não interessa tanto a qualidade do ativo, mas o sentido do fluxo, o movimento da manada.
Se o sistema indica baixa na rentabilidade de ativos ancorados nas economias mais ricas, o capital em busca de oportunidades fareja o que parece menos ruim e com potencial de alta (quem não arrisca, não petisca). Não importa quão bom é um papel ou ativo financeiro, mas o quanto ele pode melhorar, seja como for.
Há limites para as virtudes expansivas da economia especulativa. A ilusão de ótica se desfaz nos movimentos do próprio sistema.
Ontem, era bom comprar Brasil para escapar da crise. Hoje, é melhor vender Brasil: liquidar ativos brasileiros, ainda com bom preço, ajuda a melhorar o balanço de quem perde dinheiro na Grécia ou na Espanha.
O risco, nessa conjuntura, é o de se encantar com as ilusões provocadas pelos fluxos de capitais "andorinhas", com foco no curto prazo.
A onda de otimismo com um mercado é real, mas a massa de apostadores que acorre querendo surfar ao mesmo tempo cria muitas vezes apenas mais espuma, não uma onda mais alta ou duradoura.
No Brasil, o Banco Central faz o que pode para enfrentar a euforia especulativa (travestida de apetite exuberante e irracional por países menos afetados pela crise global).
A tragédia grega nada tem a ver com o Carnaval brasileiro? Já vimos esse filme antes (a fantasia mais célebre foi o "milagre" dos anos 70). Para evitar o pior, o ciclo de redução dos juros já foi revertido e a percepção mais realista é a de que os primeiros dois anos após as eleições presidenciais exigirão forte disciplina fiscal.
A União Europeia aderna com problemas financeiros e fiscais. Os EUA ganharam fôlego. Não é trivial, para o investidor global, acreditar em miragens como Brics. Pode ser uma boa hora para realizar os lucros da "onda" brasileira e correr de volta para o complexo industrial-consumista animado pelos EUA e pela China.
Para garantir a estabilidade do Brasil nessas águas agitadas e turvas, o Banco Central continuará cauteloso e elevará os juros para manter a taxa de câmbio sob controle (juros mais altos no Brasil atraem dólares, que reforçam nossa blindagem cambial).
Descartada a ilusão de ótica, a miragem da "ilha de tranquilidade" tropical, a economia brasileira ainda não encontrou um modelo de desenvolvimento que se sustente sem juros reais elevadíssimos.
A expiação dos pecados terceiro-mundistas (moratória, estatismo e corrupção) foi até hoje insuficiente no duelo com o dragão da inflação e contra os diabos da especulação.
A crise grega (e europeia), combinada aos sinais de retomada dos EUA, pode configurar o pior dos mundos: perdemos mercado (dada a perda no poder de compra dos europeus) e ficamos menos atraentes como destino de investimentos produtivos (pois nossa aceleração do crescimento também tem limites, mesmo com todo o apoio estatal).
O cenário doméstico reforça a cautela -inflação acima da meta, dúvidas sobre o equilíbrio fiscal e incerteza eleitoral afetam investidores abalados pelo rescaldo global.
Chegou mais uma vez a nossa hora, mas talvez ainda não seja a nossa vez.

GILSON SCHWARTZ, economista e sociólogo, é professor de economia e coordenador do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento, da USP ( www.cidade.usp.br ), e coordenador no Brasil do consórcio Pro-Ideal ( www.pro-ideal.eu/ ).

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